Um material robusto de mais de 500 páginas sobre a nova Reforma Administrativa em gestação no Congresso Nacional foi classificado por especialistas como um projeto de “mercantilização do setor público” alinhado aos interesses de um projeto de estado liberal. O alerta foi dado durante o Seminário “Contas Públicas, Políticas Sociais e Serviço Público”, promovido pelo Coletivo Nacional de Advogados(as) de Servidores(as) Públicos(as) – CNASP.
A segunda mesa do encontro, com mediação de Claudio Santos, advogado do escritório membro Claudio Santos & Advogados, teve como painelistas Camilla Cândido, advogada do Escritório membro LBS Advogadas e Advogados, e Vladimir Nepomuceno, assessor de entidades sindicais e especialista em processo legislativo. Camilla e Vladimir analisaram o documento e concordaram que a proposta, vendida como um pacote de “combate a privilégios”, visa desmantelar conquistas sociais da Constituição de 1988.
Três eixos de desmonte
A advogada Camilla Cândido resumiu a proposta em três eixos centrais: controle fiscal do Estado, blindagem da burocracia apolítica (tecnocracia) e esvaziamento da carreira pública, gerando um risco ao pacto federativo e prejuízos diretos aos servidores.
Camilla destacou que a reforma ataca a estabilidade dos servidores públicos ao prever novas formas de contratação fora do regime de concurso, criando um cenário onde pessoas com as mesmas atribuições terão regimes e proteções legais distintas.
“Se alguém falar que essa reforma não ataca a estabilidade do serviço público é mentira. Porque há outras formas de contratação que não garantirão estabilide”, afirmou.
Meritocracia e digitalização
Um dos pilares do novo projeto de Estado é a meritocracia, com o serviço público orientado por metas e planos de resultados fiscalizados pelo Tribunal de Contas, que ganharia um “super poder”. Servidores que atingirem as metas poderiam receber bônus — se o ente público tiver orçamento.
Para Camilla, essa lógica é falaciosa: a meritocracia institucionaliza e aprofunda as desigualdades, além de criar um ambiente propenso ao assédio e à competição predatória.
O relatório também propõe o aprofundamento da digitalização dos serviços sociais, mas sem um compromisso claro com a acessibilidade, e busca uma grande conformação entre o setor público e a lógica do setor privado.
O fim da valorização por tempo
A proposta centraliza todas as regras do Regime Jurídico Único (RJU) na União, retirando a autonomia de estados e municípios para gerir seus próprios quadros.
A advogada criticou a intenção de cortar a valorização do servidor a partir do tempo de trabalho, acabando com todas as vantagens vinculadas à passagem do tempo e sem previsão de regra de transição. O que passa a importar é apenas a avaliação de desempenho.
O relatório também prevê:
- Racionalização de carreiras: ampliação de atribuições e criação de carreiras transversais, o que pode levar a um cenário anterior a 1988, com trabalhadores de mesma função ganhando salários diferentes.
- Salário Inicial Baixo: o salário inicial será de apenas 50% do salário final da carreira.
- Judiciário Orçamentário: um artigo específico atinge o Poder Judiciário, vinculando o pagamento de verbas retroativas a precedentes qualificados e constitucionalizando o “julgamento com a calculadora”, onde a decisão do magistrado deve estar atrelada ao orçamento.
A autoria empresarial e o risco de terceirização
O especialista Vladimir Nepomuceno levantou questionamentos sobre a origem da proposta, informando que, apesar de o Grupo de Trabalho (GT) da Câmara ter sido coordenado pelo deputado Pedro Paulo (PSDB), nenhum relatório foi votado pelo colegiado.
Nepomuceno listou o consórcio de entidades empresariais que, de fato, produziram o conteúdo: CNI, FIESP, CNT, CNF, FEcomércio-SP, e grupos como Movimento Brasil Competitivo, Movimento Pessoas à Frente (Instituto Lemann) e Instituto República.
O especialista alertou que o relatório torna obrigatória a apresentação de um plano de metas e resultados em 180 dias para todas as esferas de governo (Presidentes, governadores e prefeitos). O principal risco, no entanto, é a terceirização em massa:
- A proposta limita a contratação de servidores em estados e municípios e permite a contratação de temporários e terceirizados quando houver “inviabilidade de preenchimento de cargo público efetivo”, inclusive pela “não realização de concursos”.
- A racionalização de carreiras, com a ampliação de tabelas para 20 padrões (20 anos) e o fim da progressão automática, resultará em estagnação e desmotivação salarial, o que pode levar ao congelamento de salários e à perda de talentos.
As áreas mais atingidas por essa nova estrutura, segundo o levantamento, são justamente as sociais: Saúde, Educação, Assistência Social, Previdência, além de setores-chave como Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente e Fiscalização.
O seminário contou ainda com mais duas mesas no período da tarde. “RJU e novos vínculos de trabalho com Estado” foi tema de debate entre os advogados Marcelise Azevedo, do escritório membro Mauro Menezes & Advogados, Camilla Cândido e Claudio Santos. O encontro encerrou com o debate sobre “Negociação Coletiva, com Camilla Cândido, Claudio Santos e Leandro Madureira, do escritório membro Mauro Menezes & Advogados.
Texto: Renata Vilela/LBS Advogados e Advogadas
Fotos: Renata Vilela/LBS Advogados e Advogadas e CNASP/Divulgação




