Assédio moral na administração pública – limites e possibilidades da atuação judiciária

Autor do Artigo: Ana Luísa de Souza Correia de Melo Palmisciano [1] e Maiara Leher [2]

1 INTRODUÇÃO

O presente ensaio pretende discutir caso concreto de assédio moral sofrido por servidor público federal, em atividade, e o julgamento

do judiciário sobre referido caso. Para a reflexão proposta também será

abordado caso de assédio moral sofrido por trabalhador regido pela CLT

e cujo caso, pela competência determinada pelo art. 114 da Constituição Federal, foi enfrentado pela Justiça do Trabalho. Para a perspectiva pro- posta o ensaio pretende abordar aspectos relacionados à principiologia do direito administrativo e do direito material e processual do trabalho,

bem como pretende refletir sobre o servidor enquanto trabalhador. Após

o artigo apresentará algumas conclusões diante das análises do judiciário

federal e trabalhista sobre os casos lhe apresentados.

 

2   PRINCIPIOLOGIA DO DIREITO ADMINISTRATI- VO E DO DIREITO DO TRABALHO: O SERVIDOR/ TRABALHADOR E O ASSÉDIO MORAL

Assédio moral pode ser entendido como a deliberada degradação das condições de trabalho através do estabelecimento de comunicações não éticas (abusivas), que se caracterizam pela repetição, por um longo tempo, de um comportamento hostil de superior ou colega contra um indivíduo que apresenta, como reação, um quadro de miséria física,

 

PARTE II

 

psicológica e social duradoura. Ou seja, abrange processo que afeta, por consequência, o trabalhador do ponto de vista físico e psíquico (FEL- KER, 2007, p.175).

A Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Congresso Nacional em 1992 e promulgada pelo De- creto federal 1.254/94, estabelece em seu artigo 3º, alínea “e”, que

“o termo “saúde”, com relação ao trabalho, abrange não só a ausên- cia de afecção ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho.”

Nesse mesmo sentido, a OIT defende o direito do trabalhador ao “trabalho decente”. O conceito engloba oportunidades de traba- lho produtivo com remuneração justa, segurança no local de traba- lho e proteção social para as famílias, melhores perspectivas de de- senvolvimento pessoal e integração social, liberdade para as pessoas expressarem suas preocupações, se organizarem e participarem das decisões que afetam suas vidas, além de igualdade de oportunidades e de tratamento para todas as mulheres e homens3.

O assédio moral nas relações de trabalho causa danos à saúde mental e física dos trabalhadores, prejudicando as perspectivas de de- senvolvimento pessoal e integração social, liberdade para as pessoas expressarem suas preocupações, se organizarem e participarem das decisões que afetam suas vidas, além de igualdade de oportunidades e de tratamento para todas as mulheres e homens.

Por outro lado, a prática do assédio moral se desenvolve não somente nos locais de trabalho da iniciativa privada, mas também nos locais nos quais o empregador é a própria Administração Pública. O enfrentamento dessa prática, que viola direitos fundamen-

tais do trabalhador, apresenta peculiaridades que por vezes apresen- tam dificuldades de reconhecimento nos casos concretos levados ao poder judiciário. A hipótese discutida no presente ensaio discute a possibilidade desta dificuldade (de reconhecimento de assédio sofri- do por servidores) estar relacionada aos conceitos e princípios aplicá-

veis nas relações que envolvem a Administração Pública.

Um primeiro aspecto a ser destacado é a própria condição do servidor público enquanto trabalhador, condição esta que não deve ser mitigada em razão dos princípios inerentes à Administração Públi- ca, tais como, da supremacia do interesse público e da legitimidade dos atos administrativos.

Para tanto, é importante observarmos o que destaca Santos, no sentido de que, em nosso contexto democrático “seria um equívoco confundir a Administração Pública com o Estado. Aquela é essencial para administrar o Estado, mas não se confunde com este.” (2015, p. 145)

Portanto, não há dúvidas de que o servidor público é um tra- balhador, apesar das peculiaridades do serviço público:

não se pode deixar de destacar com absoluta clareza que o servidor público é um trabalhador, apesar das peculiarida- des no serviço público e, como tal possui direitos e deveres conforme o regime jurídico a que estiver subordinado, além de direitos sociais inerentes a todos os trabalhadores. (SAN- TOS, 2015, p. 149)

A promulgação da Convenção nº 151 e da Recomendação nº 159, ambas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), por meio do Decreto Legislativo nº 206, reforça o reconhecimento do servidor público enquanto trabalhador.

Referida convenção estabelece em seu 4, item 1, que “os tra- balhadores da Administração Pública devem usufruir de uma prote- ção adequada contra todos os atos de discriminação que acarretem

violação da liberdade sindical em matéria de trabalho”, especifican- do, inclusive, proteção em relação a atos que tenham por fim prejudi- car um trabalhador da Administração Pública por qualquer meio, em

razão de sua participação em atividades relacionadas a organizações de trabalhadores da Administração Pública.

Com efeito, a proteção do direito de organização constitui importante instrumento de combate à prática do assédio moral na administração pública, o qual, não por poucas vezes, decorre exata- mente da atuação sindical de servidores públicos.

Nessa linha, a Convenção nº 151 da OIT estabelece proce- dimentos para fixação das condições de trabalho na Administração Pública, em especial, por meio da negociação coletiva, e a garantia

de que os trabalhadores da Administração Pública usufruam, como os outros trabalhadores, dos direitos civis e políticos que são essenciais ao exercício normal da liberdade sindical, com a única reserva das obrigações previstas ao seu estatuto e à natureza das funções exerci- das.

Santos (2015) registra ser inconteste que peculiaridades das relações de trabalho na Administração Pública impõem limitações e diferenciais, os quais, no entanto, não alteram a realidade de que o servidor público é um trabalhador, inserido num processo político dinâmico. Neste processo cada vez mais se aproximam princípios do direito do trabalho com princípios do direito administrativo e até mesmo, as normas que regem as relações de emprego dos trabalha- dores da esfera particular se aproximam dos trabalhadores da esfera

pública, assim afirma o autor:

Todavia, é inegável que as relações entre trabalhadores e a Administração Pública possuem problemas específicos que envolvem desde questões legais e econômicas, até sociais

e políticas, por vezes, diversas das questões existentes na iniciativa privada, além da imposição de limitações consti- tucionais e advindas do Direito Administrativo. […]

Entretanto, apesar de todas as especificidades do setor, nada

altera a realidade de que o servidor público engaja-se num

processo político dinâmico, no qual o que era considerado inegociável pode tornar-se negociável, o que era considera- do discricionário pode deixar de ser. Nesta dinâmica socio- jurídica, cada vez mais se aproximam princípios do direito do trabalho com princípios do direito administrativo e até mesmo, as normas que regem as relações de emprego dos trabalhadores da esfera particular se aproximam dos traba- lhadores da esfera pública. (SANTOS, 2015, p. 149-151)

 

De fato, o servidor público, assim como os demais trabalha- dores, é sujeito na relação de trabalho existente do âmbito da Admi- nistração Pública e nesse contexto é também vulnerável às condutas que podem ser caracterizadas como assédio moral, em especial, por parte de superiores hierárquicos.

Contudo, o que se verifica na prática é que tais condutas, por vezes, são falsamente justificadas a partir da discricionariedade de atos da administração e pouco questionadas em razão da presunção

de legalidade e legitimidade dos atos administrativos.

Assim, o servidor público, ao questionar condutas cuja moti- vação foi pessoal e que se configuram como verdadeiro assédio moral na relação de trabalho, encontra óbices à descaracterização da legi- timidade desses atos, em função da dificuldade em comprovar a real motivação ilegal frente à presunção de legalidade e legitimidade dos

atos, bem como da ampla discricionariedade conferida à Administra- ção Pública, muitas vezes não apreciada pelo Poder Judiciário, sob alegado risco de interferência indevida entre os Poderes.

 

Como exemplo, podemos citar recorrentes casos nos quais servidores públicos são removidos de seus locais de trabalho como medidas punitivas por parte de seus superiores hierárquicos. Nessas hipóteses, o ato administrativo formalizador da real punição se apre- senta com ares de legalidade ante a discricionariedade da Administra- ção Pública em relação à movimentação e lotação de seus servidores.

Diante da presunção de legitimidade dos atos administrativos, que têm como finalidade uma melhor prestação de serviços à população, depreende-se o suposto interesse público em favor da coletividade

em detrimento do interesse individual

Verifica-se, ainda, que, tanto no âmbito administrativo quan- to judicial, a Administração Pública permanece pouco reconhecida

enquanto empregadora e seus servidores não são reconhecidos como trabalhadores em posição de vulnerabilidade. Afasta-se por vezes, a real conduta adotada por gestores, pessoas físicas, em função de prin- cípios do direito administrativo aplicáveis à abstrata Administração

Pública. Pouco se exige acerca da real motivação e finalidade dos

atos administrativos.

Nesse aspecto, torna-se importante a análise dos limites da discricionariedade  da Administração  Pública.  Como  registra  Maria Sylvia Zanella Di Pietro “a discricionariedade constitui a chave do equilíbrio  entre  as  prerrogativas  públicas  e  os  direitos  individuais. Quanto maior a extensão da discricionariedade, mais risco correm as liberdades do cidadão” (2012, p. 2).

Prossegue a autora esclarecendo que “o estudo da discricio- nariedade tem que ser paralelo ao do princípio da legalidade; a ma-

neira como este é encarado influirá sobre a extensão da discriciona-

riedade” (2012, p. 3). Nesse aspecto, registra ainda:

 

Quando porém à lei formal se acrescentam considerações axiológicas, amplia-se a possibilidade de controle judicial, porque, por essa via, poderão ser corrigidos os atos admi- nistrativos praticados com inobservância de certos valores adotados como dogmas em cada ordenamento jurídico.

O controle fica mais difícil, em se tratando de valores, são delimitados com muito menos clareza os confins da atu- ação discricionária. A tarefa do juiz fica muito mais com-

plexa, uma vez que ele passará a perquirir zonas de maior

incerteza (2012, p. 2-3).

 

Sobre a ampliação da esfera de controle do ato administrativo pelo Poder Judiciário, prossegue ressaltando:

 

à medida que a lei foi adquirindo seu sentido axiológico perdido na época do Estado liberal, novos princípios foram sendo  elaborados  como  formas  de  limitar  a  discriciona- riedade administrativa e, paralelamente, ampliar a esfera de  controle  pelo  Poder  Judiciário. Ao  lado  do  princípio da legalidade – em sua nova feição – colocam-se os prin- cípios gerais de direito e os princípios da moralidade, da razoabilidade, do interesse público, da motivação, como essenciais na delimitação do âmbito da discricionariedade que  a  lei  confere  à Administração  Pública.  (DI  PIETRO, 2012, p. 3)

 

Para além dos princípios gerais do direito e dos princípios do direito administrativo, quando da análise da discricionariedade dos atos administrativos, bem como de seus requisitos de legalidade, in- seridos no contexto da relação de trabalho na Administração Pública, há que se considerar a condição de trabalhador do servidor público, condição essa que atrai a observância de princípios e direitos ineren- tes ao trabalhador, seja na esfera pública ou privada.

Diferentemente da perspectiva do direito administrativo, o di- reito do trabalho tem como princípio estrutural, o da proteção, como salienta o autor:

 

Informa este princípio que o Direito do Trabalho estrutu- ra em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossu-

ficiente na relação empregatícia – o obreiro -, visando retifi-

car (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente

ao plano fático do contrato de trabalho. […]

Parte importante da doutrina aponta este princípio como o cardeal do Direito do Trabalho, por influir em toda a estru- tura e características próprias desse ramo jurídico especia-

lizado. Esta, a propósito, a compreensão do grande jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez, que considera manifes- tar-se o princípio protetivo em três dimensões distintas: o princípio in dubio pró operário, o princípio da norma mais

favorável e o princípio da condição mais benéfica.(22)

Na verdade, a noção de tutela obreira e de retificação ju-

rídica da reconhecida desigualdade sócio econômica e de

poder entre os sujeitos da relação de emprego (ideia ine- rente ao princípio protetor) não se desdobra apenas nas três citadas dimensões. Ela abrange, essencialmente, quase todos (senão todos) os princípios especiais do Direito Indi-

 

vidual do Trabalho. Como excluir essa noção do princípio da imperatividade das normas trabalhistas? Ou do princí- pio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas? Ou do princípio da inalterabilidade contratual lesiva? Ou da pro-

posição relativa à continuidade da relação de emprego? Ou da noção genérica de despersonalização da figura do empregador (e suas inúmeras consequências protetivas ao

obreiro)? Ou do princípio da irretroação das nulidades? E assim sucessivamente. Todos esses outros princípios espe- ciais também criam, no âmbito de sua abrangência, uma

proteção especial aos interesses contratuais obreiros, bus- cando retificar, juridicamente, uma diferença prática de poder e de influência econômica e social apreendida entre

os sujeitos da relação empregatícia. (DELGADO, 2007, p.

197-199)

 

Ou seja, seu princípio norteador se baseia na desigualdade real existente entre os sujeitos da relação concreta que busca ser tute- lada pelo direito. Nesse sentido, o princípio da proteção também al- cança e engloba princípios aplicáveis ao processo trabalho, uma vez

que a desigualdade e a hipossuficiência do trabalhador se estende ao

âmbito do direito processual.

Desse modo, embora o direito processual do trabalho tenha institutos próprios, incorpora essa influência do direito do trabalho.

Assim, também no direito processual do trabalho, está pre-

sente o princípio da proteção, o qual, nas palavras de Bezerra Leite:

 

deriva da própria razão de ser do processo do trabalho, o qual foi concebido para realizar o Direito do Trabalho, sendo este ramo da árvore jurídica criado exatamente para compensar a desigualdade real existente entre empregado e empregador, naturais litigantes do processo laboral. (2010, p. 79)

 

Ainda destaca o caráter complementar do princípio da finali- dade social:

 

a diferença básica entre o princípio da proteção, acima re- ferido, e o princípio da finalidade social é que, no primeiro, a própria lei confere a desigualdade no plano processual;

no segundo, permite-se que o juiz tenha uma atuação mais ativa, na medida em que auxilia o trabalhador, em busca de uma solução justa, até chegar o momento de proferir a sentença.

 

Parece-nos, contudo, que os dois princípios – proteção e finalidade social – se harmonizam e, pelo menos em nosso ordenamento jurídico, permitem que o juiz, na aplicação

da lei, possa corrigir uma injustiça da própria lei. (2010, p. 82)

 

No mesmo sentido, outro autor ressalta a função social do processo do trabalho:

 

ao contrário do juiz de outras épocas, o juiz da atualidade está comprometido com a efetividade dos atos processuais, bem como com a realidade e justiça da decisão. A socieda- de não tem tolerado decisões injustas, fora da realidade ou que não tenham resultados práticos. (…)

O princípio da função social do processo do trabalho en- contra suporte nos princípios constitucionais da função social da propriedade e no da função social do contrato previsto no art. 421 do CC (37).

Sobre as funções sociais da propriedade e do processo, Mi- guel Reale ensinava que elas são atingidas quando já há efetividade do princípio da igualdade real previsto no art. 5º da CF e observada a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). (…)

Existindo, no processo do trabalho, o princípio da função social, há de se admitir, por consequência, o princípio da vedação do retrocesso social.

Pelo princípio da vedação do retrocesso social do processo do trabalho , ele deve sempre estar em evolução, acom- panhando os direitos fundamentais do cidadão, bem como propiciar efetividade do direito fundamental do acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho. (SCHIAVI, 2016, p. 135 e 136)

 

Merece destaque ainda o princípio da busca da verdade real, o qual deriva do princípio do direito material do trabalho, conhecido como princípio da primazia da realidade (LEITE, 2010, p. 83), bem como o da simplicidade e o da oralidade, os quais constituem um

conjunto de regras destinadas a simplificar e tornar menos burocráti-

co o procedimento, imprimindo mais celeridade ao processo e efeti-

vidade da jurisdição (SCHIAVI, 2016, p. 129-130).

Não obstante, no caso dos trabalhadores a serviço do Estado, como salientam Gediel e Mello:

 

outras fórmulas jurídicas interferem na elaboração de uma legislação protetiva, pois o Estado, pessoa jurídica empre- gadora, se apresenta sempre como realizador do interesse comum ou público e, por isso, tem sua autoridade sobre os trabalhadores a seu serviço e seu poder de mando reforçado pela invocação retórica de formulações, que operam com normas não dispositivas e que remetem toda atividade pú- blica às razões de Estado. (2015, p. 103)

 

Todavia, como bem pontuam os autores:

 

as diferenças de tratamento jurídico no serviço público e nas empresas privadas são formais e não correspondem à natureza do trabalho, mas aos interesses dos empregado- res e, por isso, a pressão exercida pelos trabalhadores e a resistência fática dos trabalhadores livres contra a ausência

de limites do poder dos empregadores acaba por unificar as

demandas e as conquistas de direitos. (GEDIEL e MELLO,

2015, p. 104)

 

Ou seja, muito embora tenha a administração pública princí- pios próprios, a avaliação das questões afetas aos servidores públicos enquanto trabalhadores deve ser interpretada à luz do entendimento dos mesmos enquanto sujeitos vulneráveis, como é o entendimento da Organização Internacional do Trabalho e da doutrina, reconhecen- do-os com todos os direitos e prerrogativas inerentes a esta condição.

 

3   ASSÉDIO MORAL EM FOCO: ANÁLISE DAS INTERPRETAÇÕES DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA DO TRABALHO SOBRE CASOS CONCRETOS

Na presente seção o ensaio apresentará dois diferentes casos de assédio sofridos por trabalhadores e analisados por duas diferentes perspectivas. Na primeira parte apresentará ação julgada pelo judiciá- rio federal, movida por servidora em face de sua instituição, na qual pediu a responsabilização de sua empregadora (instituição pública) pelos atos praticados por seus prepostos (no caso, os assediadores). Na segunda parte, o ensaio apresentará análise de assédio sofrido por trabalhador de empresa privada pela Justiça do Trabalho.

No primeiro caso a servidora pediu indenização por prejuízos morais e materiais lhe causados pela instituição na qual era lotada e

 

que culminou com seu afastamento precoce da carreira docente na qual havia ingressado há menos de dez anos, gerando-lhe, ainda, abalos psíquicos que demandavam e seguem demandando tratamen- to médico.

A servidora ingressou no cargo de professor, através de con- curso público de provas e títulos na qual obteve o primeiro lugar e permaneceu lotado no mesmo departamento durante sua atuação naquela instituição de ensino.

Ainda no curso seu estágio probatório a servidora começou a sofrer perseguição pelos prepostos da ré, em especial por sua chefia imediata, e que se tornou mais violenta após ter submetido ao cole-

giado de seu departamento um pedido de afastamento para cursar doutorado, o qual foi rejeitado.

O que poderia ser apenas um embate acadêmico que acabou por negar o pedido da servidora de afastamento para doutoramento iniciou, em realidade, uma sucessão de atos pelos prepostos da ré com apenas um objetivo: “expulsar” a docente, servidora aprovada em concurso público, daquela instituição. Na mesma reunião que teve rejeitado seu pedido de afastamento a servidora foi advertida expressamente pelos prepostos daquela instituição (e docentes de seu departamento) de que (pasmem!) seria reprovada em seu estágio pro- batório (!).

As atitudes dos prepostos do réu acarretaram um processo de desmotivação na servidora, que, aos poucos, foi perdendo qualquer alegria pelo trabalho. Mais do que gerar um clima desgastante no lo- cal de trabalho, foram tomadas com o intuito de prejudicar sua vida

funcional, causando-lhes danos funcionais e psíquicos, em flagrante violação aos princípios da legalidade, impessoalidade e da eficiência que devem nortear a atuação de qualquer servidor público.

Seus pares de departamento instauraram uma sindicância com acusações à servidora de “não cumprir o recomendado pelo RJU nos itens espírito de equipe e relacionamento pessoal”, e, pior, de “delatora dos colegas de departamento.” A servidora foi “convidada” a esclarecer os fatos junto à Reitoria, que, após suas explicações, de- cidiu arquivar o referido procedimento.

No fim dos três anos de seu ingresso naquela instituição de

ensino foram iniciados os procedimentos de avaliação da servidora

através do estágio probatório.

Não foi publicada Portaria de constituição de sua banca.   A servidora foi avaliada em reunião de Colegiado de seu departa- mento, que deliberou pela exoneração da professora (pelos mesmos

 

servidores que a haviam ameaçado anteriormente). A docente recebeu as notas “b” nos itens assiduidade e capacitação docente, a nota “d”

nos itens disciplina, capacidade de iniciativa e responsabilidade e no- tas “c” nos itens desempenho didático e produção científica. Contudo, seu “formulário de avaliação” não teve qualquer fundamentação.

Tão logo teve conhecimento da decisão a servidora entrou em estado de desespero psíquico, o que culminou com o início de seu tratamento psiquiátrico, tendo começado, inclusive, a fazer uso de medicamentos de uso controlado. Apresentou, em seguida, pedi- do de revisão da decisão do Departamento e impugnou a avaliação que lhe fora feita pelo colegiado de seu departamento. O processo

tramitou pela instituição de ensino e, finalmente, foi remetido à Reito-

ria da Universidade que optou por “não dar prosseguimento” aquele

processo, deixando de processar e julgar o recurso da servidora em decisão sem legalidade que assim decidiu:

 

Após análise dos fatos relatados no presente Processo, em conformidade com a Direção da (…) e com a Chefia de Departamento (…) e de acordo com a Informação do Chefe

da Divisão de Legislação e Benefícios do Departamento de Recursos Humanos (folhas 10), informo que se estabeleceu uma decisão conjunta de não dar prosseguimento a estes autos.

Reitero, também, que tal decisão baseou-se em princípios educacionais que, entre outros, defendem a premissa de que as atitudes comportamentais podem, sempre, sofrer al- terações, se forem dadas oportunidades para a mudança, para o constante aprimoramento do ser humano.

Após ciência de V. As. E o devido encaminhamento à EEAP, processo deve ser arquivado.

Atenciosamente […]

 

A impugnação da servidora não foi sequer apreciada, ao con- trário: deliberou a Direção da instituição, em decisão conjunta com a

Direção de sua unidade e com a (própria) chefia de seu departamento

(que já havia opinado pela “exoneração” da servidora), que o proces-

so deveria ser arquivado em razão da “premissa de que as atitudes comportamentais podem, sempre, sofrer alterações, se forem dadas oportunidades para a mudança, para o constante aprimoramento do ser humano”(!!)

Ou seja, além de não julgar o recurso da servidora (nem que fosse para negá-lo e confirmar a avaliação), determinou a direção

 

daquela  instituição  pública  o  arquivamento  dos  autos,  impedindo que a autora adquirisse sua estabilidade de servidora a teor do dis- posto na Constituição Federal, bem como ainda a julgou digna de “aprimoramento humano”!

Diante de sua “precariedade” funcional, a servidora apresen- tou nova impugnação à ata de avaliação de estágio probatório com três principais argumentos: ausência de Portaria que tenha legalmente

constituído comissão de avaliação para esta finalidade, nos termos

do parágrafo 1º do art. 20 da Lei 8.112/90; ausência de motivação, e,

principalmente, suspeição dos docentes que promoveram sua “ava- liação”.

Aduziu, dentre outras razões, que os prepostos da instituição, além de não terem sido formalmente constituídos para proceder a sua avaliação, não motivaram devidamente os graus lhes atribuídos, ten- do, inclusive, apresentado motivações de ordem pessoal ao longo da Ata que opinou por sua exoneração. Uma das avaliadoras consignou, inclusive, o “comportamento arredio da professora”.

Além de ser considerada em ata como detentora de “com- portamento arredio” por um dos seus avaliadores, também outros

prepostos da ré confirmaram sua suspeição na avaliação da docente

de estágio probatório. Parte dos avaliadores sempre manifestaram pu-

blicamente suas inúmeras diferenças pessoais com a servidora, o que foi demonstrado em diversas atas de reuniões de departamento. Uma das atas também fez constar que um dos avaliadores de seu estágio probatório havia suspendido “seu tratamento afetivo com a docente”, o que deixava a servidora cada vez mais acuada,

Devido ao agravamento de sua saúde psíquica, certa vez, a caminho do trabalho, a servidora teve crise nervosa e necessitou de atendimento médico, impossibilitando que ministrasse sua aula na- quele dia. Tal fato foi explorado por um dos prepostos da instituição que, sem sequer lhe avisar, convocou reunião de departamento na qual se deliberou pela destituição unilateral da servidora na discipli- na que lecionava na instituição. A servidora foi então substituída por outra docente, tendo sido comunicada desta decisão por bilhete de

sua chefia, com a cópia da ata da reunião, deixado em sua mesa de

trabalho.

A situação de isolamento da servidora na instituição apenas se agravava, e a mesma não recebia mais nenhuma função de seu Departamento. E a perseguição prosseguiu: para sua surpresa, o pe- dido que pediu a declaração de nulidade de sua avaliação de está- gio probatório sequer foi apreciado pelas instâncias competentes da

 

instituição. A autora continuou correndo sua via crucis e sofrendo da-

nos irreparáveis cometidos pelos prepostos da instituição para além de sua chefia de departamento.

Sua impugnação à avaliação de estágio probatório foi enca-

minhada ao Vice-Reitor em exercício. Contudo, mesmo tendo ciência das alegações da servidora que abrangiam, inclusive a suspeição da

banca, ela teve seu pedido despachado por sua chefia de gabinete

com a determinação de que aquele pedido deveria ser encaminhado

pelo (próprio) Departamento/Direção (pasmem!) o que, na prática, inviabilizaria que qualquer instância superior processasse e julgasse seu pedido – o que, de fato, ocorreu. Seu pedido sequer foi apreciado e sua situação “precária” na ré (após a reprovação em estágio proba- tório) apenas agravava as agressões sofridas em seu cotidiano.

A situação de assédio sofrida pela servidora foi se tornando ainda mais evidente. A trabalhadora recebeu e-mail de sua chefia que deixavam claro o tom de “deboche” com que foi tratada pelos prepos-

tos da ré ao longo do exercício de suas funções naquela instituição.

Em um dos e-mails enviados à servidora, por exemplo, um dos colegas da docente assim inicia sua resposta: “[…], de fato, você ainda precisa aprender muito, ou está sendo muito precariamente orientada”, respondendo, sempre a seus pedidos com respostas eva- sivas ou contraditórias. A uma de suas solicitações o referido servidor chegou a tecer o seguinte comentário com cópia aos demais docentes da unidade: “são lamentáveis alguns comentários ou solicitações que se vê por aqui”.

A servidora recorria às instâncias superiores daquela institui- ção de ensino: decania, pró-reitorias e à própria Reitora da Univer- sidade e chegou a redigir documento expondo todos aqueles fatos para a Reitoria da Universidade. Todavia, nenhuma intervenção foi concretizada – sequer foi atendido seu pedido de mudança de depar- tamento diante do agravamento de sua saúde mental. Mesmo tendo ciência da situação “bélica” vivida pela docente em seu departamen- to, a Pró Reitoria de Graduação emitiu parecer, decidindo que a ques- tão deveria ser resolvida no seu próprio departamento (exatamente no mesmo Departamento na qual sofria cotidianamente todos os danos

que foram apenas exemplificados acima).

Embora vivenciando todas essas perseguições, o que fragiliza-

va cada vez mais seu estado de saúde, sabia que não deveria abrir mão de seus demais direitos funcionais, tendo apresentado solicitação de progressão funcional horizontal. Mais uma vez, em decisão tomada pelos mesmos avaliadores que foram responsáveis por sua reprovação

 

em estágio probatório, teve seu pedido negado. A avaliação da ser- vidora (como aconteceu na avaliação de seu estágio probatório) não teve qualquer motivação e a mesma recebeu, inclusive, nota 0,86 no quesito “comunicação”. A servidora indicou sua discordância àquela avaliação e formulou pedido de revisão daquela decisão. Contudo, mais uma vez, não teve qualquer resposta. Diante da omissão, en- viou seu pedido à Comissão Permanente de Pessoal Docente daquela instituição. Todavia, recebeu ligação de um dos membros da CPPD que lhe informou que aquela comissão não julgava o mérito destes pedidos. A docente, então, elaborou novo recurso e o encaminhou à Decania, via setor de protocolo.

Após quase quatro anos de sucessivos atos de perseguição a servidora, utilizando-se de normativo da instituição que autorizava e incentivava denúncias de assédio, fez então denúncia de assédio mo- ral ao órgão máximo daquela instituição, sua Reitoria, narrando todos os fatos vivenciados com as devidas provas. Contudo, não teve ciên- cia de qualquer medida que tenha sido tomada pela direção daquela instituição: pior, alguns meses após fazer a denúncia foi informada por uma antiga aluna que sua “denúncia” estava em suas mãos… O descaso da direção daquela instituição permitiu que aquele pedido fosse entregue, sem critério, a uma aluna, que optou por “devolvê-lo” à professora. Isso em uma instituição que se orgulhava em ser uma das pioneiras do País em editar norma de combate a assédio moral.

Vivenciando toda essa situação, chegou a pensar em pedir exoneração da Universidade, não vislumbrando mais nenhuma saída para aquela situação que apenas piorava a cada dia, sem nenhuma interferência das instâncias superiores – todas cientes da situação que lhe era imposta em seu Departamento, A docente prestou concurso federal para a carreira de ciência e tecnologia do Ministério da Saúde, ao qual foi aprovada. No contato com outros docentes soube da possi- bilidade de pedir redução de regime de trabalho de forma a viabilizar sua atuação conjunta no novo cargo e na docência. A servidora fez o pedido e o submeteu a seu Departamento, que o negou em mais uma reunião turbulenta e desrespeitosa, como já antevia. Muito embora a decisão de mudança de regime de trabalho na carreira do Magistério Superior seja discricionária, no caso da servidora é evidente que os critérios que motivaram aquela decisão foram pessoais e ilegais, pas- sando ao largo das questões acadêmicas. O Departamento negou o pedido da autora de alteração de regime de trabalho sob o argumento de “ausência de pessoal” – no entanto, este mesmo departamento retirou disciplinas da servidora e contribuiu para retirar quase todos

 

seus recursos de trabalho (inclusive sua saúde mental, consoante lau- dos e atestados anexos). Neste aspecto, esclareça-se que a servidora apenas continuou a lecionar após a própria ter oferecido ministrar disciplinas em outro programa.

Para se afastar dos problemas gerados pelos prepostos da insti- tuição e lotados em seu departamento, fez novo pedido de mudança para outro Departamento. Contudo, em virtude das condições impos- tas por seu Departamento de origem, seu pedido não foi aceito.

Numa última tentativa, fez pedido de reconsideração de mu- dança de regime de trabalho ao seu Departamento, o qual foi nova- mente negado. Naquela reunião de Departamento participaram os alunos, que tiveram direito a voto, e se mobilizaram a favor da docen- te. Foram feitos abaixo assinados e os alunos ainda procuraram as ins- tâncias superiores no intuito de viabilizar a permanência da servidora na Universidade ré mediante a redução de seu regime de trabalho.

Mas já era tarde: com seus recursos de trabalho completa- mente inviabilizados e sua saúde mental cada vez mais fragilizada, não teve outra alternativa que não a de sair daquela instituição para tomar posse em novo cargo em instituição de saúde.

Todos esses fatos foram levados a ação judicial movida, na justiça federal, pela servidora. Naquela ação foi, ainda, produzida prova testemunhal para conformar o assédio sofrido. Contudo, a sen- tença proferida pela vara federal rejeitou os pedidos da servidora por entender não ter havido assédio cometido pelos prepostos da ré. Mui- to embora tenha a mesma sentença detectado que havia “um efetivo relacionamento conturbado com a administração”, entendeu que tal fato teria ocorrido em razão de “interesses pessoais insatisfeitos”.

A sentença de primeira instância foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que assim decidiu o caso:

 

DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO ORDI- NÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. *. PROFESSORA UNI- VERSITÁRIA. ASSÉDIO MORAL. NÃO COMPROVAÇÃO.

  1. A sentença negou a reintegração da professora univer- sitária com carga horária de 20 horas semanais, e a inde- nização por dano moral e material, convencido o juízo da não comprovação de assédio moral, mas apenas de relacio- namento conturbado com a Administração, sobretudo por interesses pessoais
  2. No assédio moral, a responsabilidade civil estatal é sub- jetiva, sendo inaplicável o 37, §6º da Constituição, que cuida de dano causado pela Administração ou agente pú-

 

blico a “terceiro”. A relação funcional da servidora pública com a autarquia educacional é regida por lei específica, nº 8.112/90. Precedentes deste Tribunal.

  1. A autora, desde * professora assistente do Departamento

*, em regime de dedicação exclusiva, alega assédio moral dos colegas e da chefia imediata, que a forçou a requerer exoneração do cargo, ainda no estágio probatório, apontan-

do: (i) irregularidades no processo de avaliação do estágio probatório; (ii) afastamento da disciplina que lecionava; (iii) e indeferimento de afastamento para cursar o doutorado; para a progressão horizontal; para se transferir ao Depar- tamento de Enfermagem Materno Infantil; e para mudar de regime de trabalho.

  1. Afastam-se as irregularidades, formal e material, no pro- cesso de avaliação do estágio probatório, realizada por Colegiado do Departamento, como todos os demais pro-

fessores, que recomendou a exoneração, em 18/12/2009, antes da Resolução nº 3.517/2010 da *, que modificou o processo de avaliação, mantendo os critérios do art. 20 da

Lei nº 8.112/90.

  1. O afastamento da disciplina *, de acordo com a Ata da Sexta Reunião do Colegiado do *, foi motivado pela ausên- cia da professora, que em licença para tratamento de saúde, deixou de aplicar prova na data marcada, não avisando ao seu superior
  2. O Departamento * atuou em conformidade com o §2º do art. 96-A da Lei nº 8.112/90 e com o art. 1º, I, e §1º da Resolução nº 1.931 de 26/5/1998 , pois além de não pos- suir 4 anos no cargo, a apelante não apresentou documento de aprovação no curso. A progressão funcional do nível II para o III foi indeferida por ter alcançado pontuação 42,24, inferior aos 50% do total na avaliação de desempenho, nos termos do 7º da Resolução nº 730 de 24/11/1989; e

ser insuficiente a produção acadêmica, desconsiderados os certificados fora do interstício temporal sob avaliação, conforme Ata da 9ª Reunião Ordinária do Colegiado do *,

tendo a própria autora admitido equívocos no cumprimento do interstício dos documentos comprobatórios da produção acadêmica.

  1. A mudança de dedicação exclusiva para o regime de 20 horas, por conta de aprovação em concurso no *, é ato ad- ministrativo discricionário. O aumento ou diminuição da carga horária do servidor deve atender aos interesses da Ad- ministração, e o Judiciário só pode imiscuir-se para reparar Precedentes deste Tribunal.

 

  1. Assédio moral é “mais do que apenas provocações no local de trabalho – sarcasmo, crítica, zombaria e trote –, é uma campanha de terror psicológico, com o objetivo de fazer da vítima uma pessoa rejeitada. O indivíduo-alvo é submetido a difamação, abuso verbal, comportamento agressivo e tratamento frio e impessoal”. As declarações da informante, amiga da autora, e das testemunhas, em audi- ência, são inconclusivos acerca de algum tipo de persegui- ção no ambiente de trabalho.
  2. Apelação 4”

 

No momento em que escrevemos este artigo a referida deci- são aguarda julgamento dos recursos apresentados pela autora peran- te os tribunais superiores (STJ e STF).

A seguir apresentamos caso de assédio sofrido por empregado de empresa privada. O caso foi apreciado pelo judiciário trabalhista do Rio de Janeiro.

O trabalhador ajuizou reclamação trabalhista na qual pediu indenização por danos morais decorrentes de assédio moral bem pe- diu a condenação do réu na obrigação de fazer consistente a lhe con- ceder trabalho. Narrou na inicial que sofreu tratamento discriminató- rio por seu empregador em razão de ser portador do vírus HIV. Após ter retornado de doença, permaneceu praticamente sem atividades nas dependências do reclamado, sendo tratado como um verdadeiro doente – seu empregador apenas passou a lhe designar raras ativi- dades e apenas após a distribuição da presente demanda, conforme bem detectou a magistrada responsável pela instrução processual e julgamento do caso.

O trabalhador ingressou naquele empregador, um dos maiores Bancos privados do País, em 1986, aos 18 anos, para trabalhar no setor de contabilidade. Permaneceu 2 (dois) anos em agência Maringá e foi transferido para o Rio de Janeiro em 1988. Continuou a trabalhar na contabilidade até 1989 quando soube que era portador do vírus HIV, tendo comunicado o banco de sua doença. Muito embora tenha comu- nicado a direção do Banco de sua doença, não deu publicidade ao fato.

Àquela época a direção do Banco se reuniu e achou por bem afastar o autor, com a manutenção de sua remuneração. Apenas em 1991 começou a receber auxílio doença pelo INSS, permanecendo de licença até abril 1995, quando retornou à agência localizada no centro do Rio de Janeiro.

 

Ao retornar da licença o trabalhador ainda não apresentava sinais visíveis de sua doença. Passou a trabalhar no Departamento de Pessoal, sendo responsável por todas as rotinas do setor (administra- ção dos funcionários, organização e distribuição de tíquetes refeição,

concessão de auxílios, férias, controle do horário, enfim, era respon-

sável por toda a parte administrativa do setor de recursos humanos).

Circulava pelos 3 (três) andares do banco distribuindo documentos (tíquetes, vales transporte, extratos de contas, dentre outros) e reali- zando seu trabalho.

A partir de 2003 sua doença se agravou e seus sinais ficaram

mais evidentes. O trabalhador trabalhou até junho de 2005 quando

foi internado por doença oportunista grave – síndrome de glain bar- ret, de cunho neurológico e que o deixou paralítico por três meses. O prognóstico era extremamente desfavorável. Todavia, com muita

força de vontade e tratamento médico (fisioterapia, acompanhamento

médico quase diário) foi se recuperando aos poucos.

Em abril de 2006 cessou seu auxílio doença e o trabalhador voltou a trabalhar na mesma agência do centro do Rio de Janeiro. Aparentando algumas sequelas da doença (o trabalhador ainda apre- senta sinais de paralisia facial em decorrência da síndrome adquiri- da), a discriminação “velada” perpetrada pelos prepostos do reclama- do tornou-se evidente.

Ao retornar, apresentou-se à gerência, mas não lhe foi atribuí- da nenhuma função. O Banco não recolocou o autor em seu antigo setor (o Departamento Pessoal) mesmo após três funcionários deste mesmo Departamento terem sido transferidos para outros setores.

Também não foi conferida ao trabalhador qualquer outra fun- ção. Desde que voltou de licença permaneceu sentado todo o dia, sem nenhuma tarefa. O trabalhador não constava na lista dos fun- cionários do sistema do Banco. Não constava na lista do horário de

almoço fixada em seu andar na agência.

Todos os funcionários, para serem promovidos, precisam se

aperfeiçoar em cursos promovidos pelo próprio Banco. Todavia, o tra- balhador foi excluído desses cursos, o que impedia suas promoções. O trabalhador também não constava na lista do “treinet” (trei- namento feito on line, através de computador) onde constavam todos os funcionários da agência e seus respectivos postos de trabalho. Os funcionários inscritos neste programa de treinamento constam em

quadro grande que fica fixado no refeitório, lugar de grande visibi-

lidade da agência e onde há muita circulação de funcionários. O

trabalhador junta aos autos do processo fotos do quadro da lista dos

 

empregados inscritos no “treinet” (os empregados estão em ordem alfabética) sem seu nome.

Não estava na lista de todos os funcionários, com seus respec- tivos telefones, utilizada pelo Departamento Pessoal.

Não dispunha de senha de acesso a qualquer operação ne- cessária ao trabalho bancário (á fora do sistema do banco – no docu- mento juntado à inicial constava a informação de “USUÁRIO NÃO CADASTRADO”). Não podia sequer consultar um saldo de cliente;

Não participava de reuniões.

Não bastassem todas essas discriminações, certa vez, ao se dirigir ao Departamento Pessoal, viu, em cima da mesa da então ge- rente administrativa da agência, lista utilizada pelo Departamento Pessoal, onde constava a anotação “AIDS” ao lado de seu nome. Ou seja, numa das poucas listas da agência onde consta seu nome resta assinalada sua doença, revelando os reais motivos da discriminação que o trabalhador vinha sofrendo.

Diante de todas essas atitudes discriminatórias não restou ou- tra alternativa ao trabalhador a não ser ajuizar ação judicial para pe- dir que seu empregador cessasse o assédio que vinha sendo cometido contra o mesmo, bem como para que o indenizasse pelos danos lhe causados.

Destacou a sentença do juízo que presidiu a instrução proba- tória, com a oitiva do representante do reclamado, de suas testemu-

nhas e das testemunhas do trabalhador, que ficou evidente a discrimi-

nação sofrida pelo trabalhador.

Salientou a sentença a quo ao comentar os depoimentos ou- vidos em audiência, que:

 

Também fica do depoimento da testemunha que na reali- dade a mesma somente tem efetivo conhecimento do labor

do autor quanto ao período em que o mesmo se ativou com esta, ou seja, nos últimos dois meses.

Portanto, convenci-me de que somente depois da distribui- ção desta reclamação (abril/08), nos últimos meses, é que a empresa passou a lhe dar atribuições […]

Registre-se que a testemunha afirma que já presenciou o

Autor se ativando no balcão com a Sra. * e com a Sra.*. Contudo, também afirma a testemunha “…que já viu o au- tor sentado ao lado da Sra. *, mas não sabe se a espera de

serviço ou não tinha o que fazer...”. Ora, se a agência é de grande porte e todos trabalham muito, como faz crer a

testemunha *  é no mínimo estranho um empregado ficar

 

sentado ao lado de quem lhe daria serviços, ocioso. Portanto, apenas com o depoimento prestado pelas teste- munhas conduzidas pela empregadora, convenci-me que

o Autor ficava  sim, sem que lhe fosse efetivamente dado

trabalho desde o seu retorno da última licença até pouco

depois da distribuição desta reclamação, maio de 2008, aproximadamente, do que temos que durante dois anos,

o empregador não cumpriu com seu dever principal, qual seja, dar trabalho ao empregado.

 

A sentença da vara do trabalho, que reconheceu o assédio so- frido pelo trabalhador, foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro.

 

4  CONCLUSÃO

O presente artigo procurou abordar a análise do judiciário em relação a casos lhe levados sobre assédio vivenciado por servidora

regida pelo Regime Jurídico Único e por trabalhador de empresa pri- vada, regido pela CLT. Nos casos, verificou-se que as conclusões da justiça federal sobre assédio sofrido pela servidora foram totalmente

distintas das análises feitas pela Justiça do Trabalho sobre assédio mo- ral cometido em face de empregado de empresa privada.

Guardadas as particularidades de ambos os casos e as per- cepções dos julgadores sobre os mesmos, estes podem ser exempli-

ficativos das dificuldades do judiciário não especializado (no caso, a justiça federal) de compreender e identificar a ocorrência de assédio moral sofrido por servidores no curso de suas atividades.

A hipótese trazida pelo presente artigo traz a relação desta dificuldade com a principiologia do direito administrativo, distinta dos princípios próprios ao direito processual e material do trabalho.

Como já salientado, enquanto o direito administrativo tem como pila- res fundamentais as prerrogativas da administração pública, o direito do trabalho tem o princípio da proteção (ao trabalhador) como seu fundamento motor.

No plano processual as diferenças também se verificam atra-

vés da ênfase conferida, pelo direito processual do trabalho, ao prin-

cípio da oralidade, que junto do princípio da busca pela verdade real, incentivam o magistrado a buscar a realidade, dando menor ênfase, inclusive, às provas formais (que podem esconder a verdade dos fa- tos).

 

O caso concreto de assédio vivenciado por trabalhador da ini- ciativa privada demonstrou que os princípios do direito e do processo do trabalho podem ter relação com o êxito da demanda, na medida em que puderam incentivar a melhor compreensão do  magistrado

sobre o caso concreto, facilitando a identificação das violações aos

direitos do trabalhador.

Muito embora os princípios da administração pública tenham relevância diante de sua conexão com toda a coletividade, as inter- pretações do judiciário em relação ao servidor enquanto trabalhador não podem ser feitas sem considerar as convenções e recomenda- ções  da  Organização  Internacional  do Trabalho  que  reconhecem o servidor em sua dimensão de trabalhador, como seus direitos e prerrogativas, assim como a partir de sua condição vulnerável em relação a seu empregador, no caso, a administração pública. Enten- dimento diverso pode comprometer o direito ao trabalho decente, o princípio da dignidade da pessoa humana bem como as diretrizes relacionadas à existência e à manutenção do meio ambiente do tra- balho saudável.

 

REFERÊNCIAS

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

FELKER, Reginal Delmar Hintz. O dano moral, o assédio moral e o assédio sexual nas relações do trabalho: frente à doutrina, jurispru- dência e legislação. São Paulo: LTr, 2006,

SANTOS, Enoque Ribeiro. Negociação Coletiva de Trabalho nos Se- tores Público e Privado. São Paulo: LTr, 2015.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Tra- balho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2010.

GEDIEL, José Antônio Peres; MELLO, Lawrence Estivalet. Estado, Po- der e Assédio: relações de Trabalho na Administração Pública. Curi- tiba: Kairós Edições, 2015.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Trabalho De-

cente no Brasil. 2006. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/ temas/trabalho-decente/lang–pt/index.htm>. Acesso em: 05 set 2017.

SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 10. ed. de acordo com o novo CPC. São Paulo: Ltr, 2016.

 


[1] Advogada do escritório Machado Silva Palmisciano & Grillo Advogados e professora universitária (UFRJ e PUC/RJ), Mestre em Ciência Política pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. E-mail: <analuisa@machadosilva.com.br>.

[2] Advogada do escritório Machado Silva Palmisciano & Grillo Advogados e do Sindicato Esta- dual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro, Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. E-mail: <maiara@machadosilva.com.br>.

[3] Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-decente/lang—pt/index.htm>. Acesso em: 05 set

[4] Para evitar a identificação do caso concreto e preservar a imagem da servidora, algumas informações do acórdão citado foram suprimidas.

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