Aborto legal: nota de repúdio do CNASP ao novo manual do Ministério da Saúde

O Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos – CNASP manifesta seu repúdio ao manual Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento, recém-lançado pelo Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Atenção Primária à Saúde. O novo guia acarreta embaraços inadmissíveis ao direito ao aborto legal (hoje autorizado em casos de gestação decorrente de estupro, de risco à saúde da gestante e de anencefalia do feto), a partir de jogos de palavras e do falseamento de premissas normativas e científicas. Com isso, avança sobre a dignidade das meninas e mulheres brasileiras, incentivando a sua persecução penal e confundindo profissionais responsáveis pelo seu atendimento em serviços de saúde.

O manual se assenta na falsa premissa de que nosso ordenamento jurídico resguardaria um direito à vida absoluto e incondicional que redundaria em “direito de nascer” e, de forma muito problemática, demarca que, supostamente, “todo aborto é crime”.  Sobre o primeiro aspecto, a Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos, intérpretes últimos do Pacto de San José da Costa Rica, já frisaram que a expressão “em geral”, contida em seu art. 4.1, é indicadora da possibilidade de exceções. Em relação ao segundo ponto, a previsão de extinção de punibilidade do art. 128 do Código Penal – ampliada no julgamento da ADPF 54 – é o que importa para que o Estado garanta o direito ao aborto legal, sem obstáculos e chicanas. 

Além de a violência em si do estupro acarretar trauma imensurável a meninas e mulheres, é relevante destacar que cerca de 70% dos agressores são conhecidos das vítimas, número que salta para 97% quando se trata de meninas com até 14 anos de idade. Esses dados conduzem à conclusão que, lado a lado ao trauma, também caminham receios de diversas ordens que indicam por que, a muitas meninas e mulheres, não interesse registrar boletins de ocorrência. Desse modo, a comprovação da violência não deve ser requisito de acesso a seu direito ao aborto legal, sobretudo quando a proposta é que essa comprovação se dê a partir da conversão de meninas e mulheres em suspeitas.

O CNASP conclama a sociedade a aglutinar forças contra o novo manual, o primeiro em pelo menos 20 anos a documentar o incentivo à investigação de mulheres e meninas que, vítimas de estupro ou sob risco de vida, tenham recorrido ao aborto legal. A Cartilha torna urgente que reafirmemos o básico: mulheres são pessoas e não devem ser vítima de tortura.

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